Neste inverno no Hemisfério Sul, a Patagônia e o Cone Sul da América Latina experimentaram temperaturas tão baixas quanto -15°C, uma condição extrema e incomum para a região. Esse frio severo causou a morte de patos congelados em lagoas e deixou ovelhas presas em pilhas de neve, exigindo a intervenção das equipes militares locais para levar alimentos aos animais e moradores.
Essa foi a segunda onda de frio em apenas três meses, levando o Serviço Meteorológico Nacional da Argentina (SNM) a emitir um alerta amarelo devido aos riscos de danos e interrupções nas atividades cotidianas.
Raúl Cordero, climatologista da Universidade de Santiago do Chile, descreve o fenômeno como raro e prevê que as temperaturas extremas continuem na região durante o inverno, com a possibilidade de novas ondas de frio.
As baixas temperaturas na Patagônia e no Cone Sul (Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e sul do Brasil) são causadas pela chegada de ar frio da Antártida. A alta pressão no extremo sul do continente puxou o ar polar para o norte, um evento associado à fraqueza do vórtice polar, que normalmente mantém o ar frio confinado ao Polo Sul.
"Quando o vórtice polar antártico está fraco, a probabilidade de massas de ar polar escaparem para áreas habitadas do hemisfério sul aumenta, elevando a chance de ondas de frio", explica Cordero.
Segundo Cordero, é improvável que essas ondas de frio na Patagônia afetem o clima global. Na verdade, as mudanças climáticas globais podem estar enfraquecendo o vórtice polar antártico, resultando em mais ondas de frio no Cone Sul.
"Embora essas temperaturas baixas tenham atingido áreas populosas do Cone Sul, a atmosfera superior da Antártica registrou as maiores temperaturas já documentadas", observa o cientista. Ele também alerta que a Austrália e a Nova Zelândia podem enfrentar condições similares. Em 18 de julho de 2014, uma estação meteorológica em Queensland, na Austrália, registrou a noite mais fria em 120 anos.
Apesar das imagens de animais congelados na Patagônia, Cordero destaca um impacto positivo em nível local. Os campos de gelo da Patagônia, que se estendem por mais de 10.000 quilômetros quadrados na fronteira entre Chile e Argentina, perdem entre 10 bilhões e 15 bilhões de toneladas de gelo anualmente. "Embora os períodos recentes de frio não mudem essa tendência, podem melhorar o balanço deste ano", comenta Cordero.
Pesquisas indicam que ondas de frio intenso podem ser influenciadas pelas mudanças climáticas. Um estudo de 2012 do Centro Woodwell de Pesquisas Climáticas, nos EUA, sugere que o aquecimento acelerado do Ártico alterou as correntes de ar que regulam o clima, aumentando a probabilidade de eventos extremos em latitudes médias, como secas, enchentes e ondas de frio ou calor.
Outro estudo de 2021 do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) aponta que o aquecimento do Ártico pode estar tornando os invernos rigorosos mais frequentes nos EUA. As mudanças no Ártico podem alterar o vórtice polar da estratosfera, fazendo com que o ar gelado se desloque para o sul.
Contudo, não há consenso científico sobre a relação entre mudanças climáticas e ondas de frio. James Screen, professor de climatologia da Universidade de Exeter, argumenta que os frios extremos são explicados pela variabilidade natural, ocorrendo apesar do aquecimento global, e não por causa dele.
Apesar de invernos rigorosos como o da Patagônia, o consenso entre os cientistas é de que tais eventos se tornarão cada vez mais raros se a concentração de CO2 na atmosfera continuar a subir. "Em grande parte do mundo, os efeitos de aquecimento das mudanças climáticas superarão qualquer eventual resfriamento devido ao aquecimento do Ártico", assegura Screen. Cordero também afirma que essas ondas de frio não alterarão a tendência de aquecimento na Patagônia, evidente como em outras partes do mundo.
As ondas de frio, embora intensas, não desaceleram o aquecimento global. O relatório de evolução climática da direção meteorológica do Chile, por exemplo, destacou que 2023 foi o ano mais quente desde 1961, com uma tendência de eventos climáticos extremos. "O Chile teve seu quarto ano consecutivo de temperaturas elevadas, com um aumento médio de +0.15°C por década", conclui o documento.
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